O Silencio...
A cidade esta quieta há dois dias. Quase ninguém nas ruas,
nem os soldados que iam e vinham toda hora aparecem mais.
Da janela da sala, no primeiro andar, Sara só ve alguns
poucos cachorros e mulheres que andam perto dos muros e olhando para todo lado
em busca dos perigos, na certa vão buscar comida em algum lugar.
O silencio é de matar.
Onde foram parar os soldados? Porque as bombas pararam?
O dia já esta cinza e o outono logo vai começar, já é
Setembro de 1939.
As outras meninas dizem que os Alemães estão chegando e
contam histórias horríveis de como eles matam as pessoas, principalemente os
judeus.
Para algumas crianças isso é muito dicifil de dentender, mas
Sara nunca se esqueceu do seu tio e como os Poloneses ou russos, ela nunca teve
certeza, o mataram na sinagoga. Será que vai ser assim novamente ?
Os seus pais estão estranhos. Falam de tentar fugir para
União Soviética, parece que não é tão longe, mas os vizinhos disseram que os Russos
estão do mesmo lado dos Alemães, que se juntaram para matar os Poloneses, Sara
já não sabe mais em quem acreditar.
A mãe de Sara, sempre ativa e determinada, já fala em
procurar lenha ou pedaços de carvão para passarem pelo inverno, ela diz que,
com a guerra, vai faltar tudo, ela já vinha guardando comida, mas agora tem que
achar uma forma de passar pelo inverno Polonês, isso não é facil em tempos
normais, imaginem em uma guerra.
Sara passa o dia ajudando a mãe, não pode ir para escola,
esta fechada a quase um mês, desde que começou a guerra e nem pode sair para
encontrar as amigas, algumas já fugiram mas ela não sabe para onde.
E este silencio infernal, nem passaros, nem o barulho do
vento, parece que o mundo parou.
Mais um dia passa.
Um barulho alto e forte bem cedo, caminhões, botas,
soldados. Ninguem fala nada. Estao todos com medo de olhar nas janelas.
Agora um barulho ensurdecedor de motores, muito mais alto
que dos caminhões, Sara afasta um pouco a cortina e ve pela primeira vez um
tanque de guerra alemão. São varios e enormes, andam rapido com varios soldados
caminhando ou correndo pelas calçadas.
A guerra chegou e o silencio foi embora. Alguns tiros podem
ser ouvidos, mas estão longe e raros, agora todos já sabem que o exército
polonês fugiu dos Alemães e os outros adultos falam que os Russos também vão
matar eles mais para frente, parece que Lotz não existe mais.
Os dias são estranhos, as pessoas voltam a caminhar nas
ruas, vão para o trabalho, aquelas que ainda tem algum e as que não tem buscam
alguma forma de ganhar algum dinheiro, o inverno vai chegar rapido e como
sempre, com muita força.
As meninas falam que os Alemães mudaram o nome da cidade,
agora chama Litzmannstadt ou algo assim.
Sara já viu alguns soldados armados nas ruas, eles vigiam as
esquinas, estão vestidos com uniforme cinza mas parecem roupas finas, não tem
casacos para o frio, alguns já tem o nariz vermelho, podem ficar doentes.
Ela entende um pouco de alemão e russo além de falar Polonês
e iidiche é claro, mas não se arrisca a conversar com ninguem, o medo é muito
grande e todos falam que eles maltratam e matam judeus sem motivo, é melhor
ficar calada.
As filas para conseguir os vales de comida são enormes,
todos precisam pegar os tickets com os soldados ou nos postos do governo para
trocar por pão ou outras comidas. O dinheiro Polonês não vale mais quase nada,
pessoas trocam coisas nas ruas para tentar ter o que comer.
As filas são separadas para Judeus e não Judeus. As familias
judias tem medo de entrar na fila, varias são maltratadas tanto pelos soldados Alemães
quanto por civis poloneses, estranho isso, Sara cresceu vendo gente de varios países
em Lotz, Alemães, Tchecos, Russos, Franceses e até com uma menina Suiça ela já
tinha conversado e nunca teve nenhum problema, apesar de sua mãe falar o tempo
todo para não confiar em nenhum Siksa ou não judeus.
Sara não tem amigas para trocar ideias ou confidencias, mas
os boatos são fortes e estão por todos os lados no bairro judeu. Falam que os
soldados Alemães estão limpando uma area da cidade, removendo as familias das
casas e prédios. Estão cercando as ruas com arame farpado. Parece com uma
prisão bem perto do centro junto a cemiterio Judeu e da estação de trem de
Radegast.
Os vizinhos falam de fujir para Varsovia ou Cracovia porque
lá tem mais Judeus e talvez assim estejam mais seguros, o pai de Sara acha
muito longe e arriscado, ele viveu a vida toda em Lodz e o seu trabalho esta na
fabrica de panelas (incluir nome). A mãe de Sara acha que ninguem vai querer
comprar as suas coisas e não sabe como podem começar uma vida em outra cidade
sem dinheiro e sem emprego.
Foram semanas tentando formar uma nova rotina até que um
dia, perto do final de Setembro fixaram folhetos nos postes e muros da cidade
informando que todos os judeus de Lotz deveriam se mudar para esta nova area,
na verdade um gueto formado com varias ruas e quateirões.
Ninguem sabia direito o que era isso ou como fazer, tinham
que levar tudo ? Qual seria o endereço de cada familia ? O que aconteceria com
quem não aceitasse ? E as casas atuais, alguem vai comprar ou pagar aluguel ?
Ninguem respondia nada.
Em Outubro começaram as mudanças, muitos rumores sobre
pessoas arrancadas de suas casas e mortas, mas Sara não tinha visto nada disso,
era dificil acreditar no que estava acontecendo, alguem tem que explicar como
isso vai ser...
Os carros de som passavam pelas ruas do bairro judeu falando
em Polonês e as vezes em iidiche que as familias deveriam sair levando somente
o que podiam carregar e se encaminhar para o novo bairro que as equipes de
serviços iriam ajudar com as novas casas e que quem não obedecesse estaria
cometendo um crime e seriam punidas.
Os pais de Sara estavam com medo de ir e de ficar.
Não era possivel deixar tudo para traz e não tem como levar
tudo. A opção por enquanto era de ficar e esperar.
Em uma manha cinza Sara acordou com o barulho de um caminhão
estacionando em frente do seu predio. Soldados sairam e se perfilaram na calçada
armados com fuzis e revolveres, alguns tinham cães bravos e todos esperavam a ordem
do oficial.
O carro de som anunciava que todos os moradores da rua
Reginska deveriam sair imediatamente de suas casas carregando o que podiam para
se mudarem para o gueto e que quem não fizesse isso agora seriam punidos.
Sara esperou e nada acontecia.
De repente umas batidas fortes na porta, eram os soldados. O
som parecia o de um martelo batendo na medeira, deviam estar usando suas armas.
O pai de Sara pede que todos se afastem a vai até a porta.
O oficial e dois soldados entram falando e alemão, Sara
entende que mandam que todos saiam, mas ninguém sabe direito o que fazer.
Um dos soldados de roupa preta pega a mãe de Sara pelo braço
e tenta puxar para fora, ela luta se segurando nas coisas e se esperneando,
Sara chora, grita mas tem muito medo. Tudo é muito rapido. O pai de Sara tenta
afastar o soldado de roupa preta de sua mulher, mas o outro soldado bate com o
cabo de sua arma longa no rosto dele que cai tonto com a boca e o nariz
sangrando. O pai esta zonzo, não consegue olhar direito e o soldado de roupa
preta arrasta a mãe para fora até a calçada.
Sara corre para a janela para ver para onde levaram sua mãe
e la fora o soldado de roupa preta fala no autofalante em Polonês que, se as
pessoas não saissem imediatamente, isso seria o que aconteceria com elas e ele
pega uma pistola encosta na cebeça dela e, de repente o silencio volta, Sara
não ouve mais nada, ela ve sua mãe dobrar as pernas e cair na calçada. Tudo tão
rapido e ao mesmo tempo tão lento e tão definitivo.
O silencio voltou a rua Reginska 43, Lotz, Polonia.
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